O chá é uma bebida que me traz à memória um dia frio de inverno, uma manta, um livro e uma chávena bonita a fumegar. É uma bebida de aconchego e amor.
Recentemente, enquanto bebia o meu chá, uma reflexão tomou-me de assalto: qual é a verdadeira conexão entre a história do chá e as mulheres? E como não poderia deixar de lado esta inquietação, hoje, vou-te contar uma história.
Uma história pelo chá
Um dia, após uma longa caminhada pelas montanhas do sul da China, o imperador Shen Nong bebia a sua água a ferver, quando umas folhas sopradas pelo vento caíram delicadamente sobre a sua chávena. A água mudou de cor e tomado pela curiosidade, Shen decidiu tomar um gole. O aroma suave tornou-se em algo mágico, e logo se sentiu revigorado.
É assim que nos conta a lenda. O imperador Shen Nong deu à humanidade o conhecimento do chá, em 2737 a.C. Começando, assim, uma história pelo chá proveniente da infusão dos brotos da planta Camellia sinensis.
Portugal e o chá
Embora tenha sido descoberto na China, o mundo ocidental só conheceu a bebida no século XVI, com a chegada dos portugueses ao oriente. De facto, os portugueses foram os primeiros europeus a ter contacto com o chá.
Contudo, esta bebida não lhes surtiu grande interesse. O que eles queriam, realmente, eram as especiarias!
Foi a insistência de contacto com os grandes consumidores e produtores, China e Japão, que tomaram Portugal de curiosidade, fazendo com que, inevitavelmente, levariam as folhas nas suas expedições. As principais pessoas responsáveis pela introdução da bebida tanto no país como na Europa foram os padres jesuítas.
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Além terras lusitanas, na restante Europa, a bebida tornou-se uma novidade, acabando por ser restringir aos grupos sociais mais privilegiados, e como seria expectável tornou-se uma bebida pública e limitada ao público feminino.
As mulheres não podiam frequentar espaços públicos, muito menos as casas de chá que iam surgindo desde o século XVI, ficando limitadas ao seu consumo em privado. Este acontecimento predominou por mais de um século.
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Agora entramos na essência deste artigo: qual é a conexão entre a história do chá com a mulher?
O trabalho feminino na história do do chá
Como uma alma feminina inquietante, não pude deixar de procurar a relação profunda que existe entre a mulher e a bebida milenar.
Importa clarificar que a produção de chá faz parte do setor agrícola e a maioria dos trabalhadores são mulheres. De facto, o chá como qualquer indústria agrícola depende do peso significativo do trabalho feminino.
Nos países em desenvolvimento, as mulheres representam 40% da mão de obra agrícola e em Portugal, país desenvolvido, representam 39%.
Geralmente, as mulheres que trabalham na agricultura são altamente vulneráveis à pobreza, possuem baixas qualificações e estão mais desprotegidas face às alterações climáticas.
Exemplificando, as plantações de chá têm lugar nas zonas mais rurais, onde menos de 50% da população é feminina. Por exemplo, a Quénia, um dos maiores produtores de chá do mundo, em 2020, viu a sua população rural concretizada em 43% mulheres.
Camellia sinensis na história da mulher
O papel da mulher é fundamental na indústria do chá e, grande maioria das vezes, são elas as principais pelo desenvolvimento socioeconómico das regiões.
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O olhar atento da mulher, a destreza minuciosa e o pormenor de ter as suas mãos mais pequenas do que as dos homens faz com que sejam mais requisitadas para a colheita das plantas. São qualidades tradicionalmente atribuídas ao feminino, garantindo que cada folha seja colhida com o maior cuidado.
Além da colheita, são as mulheres as responsáveis pela escolha e embalamento das plantas do chá que garantirão a qualidade do mesmo e que chegue até nós saboroso.
Em contexto social
A mulher através da produção do chá tem o poder de envolver diversas iniciativas comunitárias. A sua participação desenvolve social e economicamente as regiões produtoras.
A sabedoria interna feminina desenvolve nela uma visão moderna de empreendedorismo e sustentabilidade, sendo as mulheres as que mais empreendem neste setor.
Além da produção: as mulheres e o chá
Não é só do trabalho de campo que existe a profunda relação.
As mulheres são as responsáveis pela transmissão de tradições que perduram no tempo. Isto é, elas desempenham um papel importante na tradição cultural e social do consumo da bebida.
Uma viagem no tempo permite-nos uma ideia: nos dias frios de inverno, doentes na cama, lá vem a nossa mãe, avó ou irmã com uma chávena quente. Aquece o coração, a mente e cura a enfermidade.
Por mais de um século, confinadas ao consumo do chá em privado, elas são as principais transmissoras do simples gesto de oferecer chá em algum evento ou situação mais privada.
A mulher é a principal desencadeadora de memórias, capaz de as passar de geração em geração.
Algumas mulheres que tiveram influência na tradição do chá
Deixo-te algumas mulheres que são inspiradores exemplos na tradição do consumo do chá:
Catarina de Bragança: foi uma princesa portuguesa que casou com o rei Carlos II de Inglaterra. Ela foi a responsável por introduzir na corte inglesa o consumo da sua bebida favorita, o chá.
Michiyo Tsujimura: foi uma cientista japonesa e a primeira mulher do Japão a obter um doutoramento em agricultura. O seu trabalho no chá foi crucial, já que descobriu os nutrientes do chá-verde.
Ermelinda Pacheco Gago da Câmara: uma mulher portuguesa que teve uma grande importância na ilha de São Miguel, nos Açores. Ela foi herdeira da Quinta da Gorreana e fez algo extraordinário: fundou a Fábrica de Chá Gorreana, um dos melhores chás portugueses.
Catherine Craston: No século XX, com a lenta introdução da mulher no espaço público, Catherine foi além do seu tempo. Uma empresária de sucesso, ficou conhecida na história pela sua cadeia de casas de chá em Glasgow.
Sugestões de casas de chá em Lisboa
Palacete Tea House
Um espaço verdadeiramente apaixonado e perfeito para almas femininas viajantes. O requinte da casa nobre do século XVII é um espaço de memória na companhia de um saboroso chá.
Pavilhão Chinês
É uma loja com história e possui uma carta de chás irresistíveis. Abriu as suas portas em 1986, mas nunca abandonou o negócio primitivo que ali se encontrava desde 1901. À primeira vista, na rua do Príncipe Real, aparenta ser mais um espaço abandonado. Mas a magia acontece quando tocas à campainha. Podes encontrar o Pavilhão na Rua Dom Pedro V 89 (Príncipe Real).
Para comprar:
Companhia Portueza do Chá
Ocupa as instalações de uma antiga sapataria datada de 1880. Ainda hoje, conserva muitas das peças originais. Esta loja, na Rua Poço dos Negros, 105, convida-te a entrar no mundo chá. Alguns deles, os mais conhecidos do mundo.
Empório do Chá
Para as amantes de chá, este assume-se como outro lugar sagrado. Aqui, podes encontrar mais de 250 tipos de chá e infusões provenientes de diversas regiões como a China, Japão ou África do Sul.
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Como visto, as mulheres são essenciais na produção do chá, de modo que ele chega até nós com as melhores plantas. É importante, termos em mente que este trabalho tem de ser valorizado, reconhecido e apoiado. Afinal, a História também se escreve no feminino.
O empoderamento das mulheres é uma estratégia eficaz para a igualdade de género. Não é apenas uma coisa a ser feita, mas a coisa mais inteligente a ser feita. Esse é um dos principais motivos pelo qual me dedico aos walking tours femininos, onde exploro as histórias de mulheres que desempenharam um papel fundamental na cidade de Lisboa.
Espero que este post te inspire tanto quanto me inspirou a escrevê-lo. E que, da próxima vez que beberes uma chávena de chá, lembres-te dos capítulos intermináveis da história e das mulheres que a constituem.
Como te posso ajudar?
Sei que procuras uma experiência que vá além do superficial e que ressoe com a tua alma de mulher viajante. É por essa razão que desenhei walking tours femininos em Lisboa, projetados para uma conexão com a cidade, compreensão histórica da mulher e um momento de empoderamento profundamente transformador.
Se tiveres alguma dúvida, não hesites em contactar-me.
Até breve!
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