A mulher é a personagem principal, e Évora é o cenário desta narrativa intemporal.
No final de outubro, para celebrar o meu aniversário, decidi aventurar-me pela cidade alentejana numa escapadinha, que acabou por me reconectar com uma dimensão única da história e cultura.
Com o meu trabalho em torno da História e do Património Cultural, expresso em walking tours feministas, é natural que procure sempre a presença e o impacto da mulher nos lugares que visito. E Évora, claro, não foi exceção. Neste artigo, vamos explorar a história feminina de Évora.
Évora: uma história milenar
À semelhança de outras cidades portuguesas, Évora exibe vestígios da ocupação humana desde a Pré-História. Situada na planície alentejana, entre 3 importantes bacias hidrográficas (Tejo, Guadiana e Sado), sempre foi um ponto de encontro privilegiado.
Durante o período romano, floresceu, tornando-se num centro de comércio e desenvolvimento artístico. Évora acolheu também visigodos, muçulmanos, e mais tarde foi reconquistada pelos cristãos em 1165.
Rapidamente, transformou-se num centro de poder político, militar e religioso no sul do país. Um passeio por ela, é atentar em cada monumento, até porque cada pedra parece sussurrar uma história e guardar memórias de épocas passadas.
O ex-libris de Évora
É impossível falar de Évora e não mencionar a Capela dos Ossos, um dos locais mais icónicos da cidade. Construída no século XVIII por frades franciscanos, a capela simboliza a fragilidade da vida humana, uma mensagem reforçada pela frase de boas-vindas "Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos".
As paredes são totalmente revestidas de ossos e crânios, criando um espaço que nos convida a refletir sobre a efemeridade da existência humana.
A capela está anexada ao convento de S. Francisco e é um mergulho na história um tanto sinistra, mas que nos obriga a parar e a refletir na brevidade da vida.
O Património Cultural de Évora
Como mestre em Património Cultural, senti-me maravilhada com a riqueza histórica de Évora, uma cidade reconhecida pela UNESCO como Património Mundial desde 1986.
A cidade alentejana preserva a essência de uma cidade que brilhou no período do ouro português. Entre o Templo Romano, herança do período clássico, e o requinte da arquitetura gótica e renascentista, Évora foi, e continua a ser, uma cidade que preserva os traços das influências mouriscas e os primeiros sinais do humanismo português.
Aqui, nasceu uma das primeiras obras do Renascimento Ibérico, a Igreja de Nossa Senhora da Graça. Esta cidade alentejana é, sem dúvida, um testemunho vivo de um passado que reflete a identidade cultural e coletiva de um país.
Consigo, de facto, perceber a potência que é Évora. A sua classificação rapidamente veio alvoroçar as vivências e recolocar na ordem a necessidade de preservar e valorizar o património cultural e histórico singular da urbe.
Verificamos na oferta hoteleira, nas diversidades da restauração e na atenção na proteção daquilo que é regional. Falo, essencialmente, do cuidado que os locais dão à sua cultura regional. Seja na gastronomia, no artesanato ou no simples mármore.
Sem dúvida, é uma cidade limpa, com a sua cultura bem demarcada e o seu património bem conservado e protegido. Um verdadeiro valor para uma cidade património da humanidade.
Tudo em Évora reluz e tudo nela é ouro.
História feminina de Évora: um roteiro pelas figuras ilustres
Explorar Évora é também descobrir as histórias de mulheres que, com coragem e determinação, marcaram o seu tempo.
Arco e Rua de Dona Isabel
Isabel de Portugal, nasceu em Évora em 1397, e foi a única filha do rei D. João I e de D. Filipa de Lencastre.
Parte da Ínclita Geração, a infanta foi uma mulher culta, inteligente, multilingue e responsável pela tradução de diversas obras.
Enquanto esposa de Filipe III de Borgonha, Isabel não só exerceu uma influência nas decisões políticas, como também foi apelidada de "A grande Dama", conquistando o respeito e admiração de toda a Europa.
Em Évora, o Arco e a Rua de Dona Isabel mantêm viva a memória da grande infanta portuguesa.
Convento de Santa Helena do Monte do Calvário
Fundado em 1570 pela Infanta D. Maria de Portugal, filha do rei D. Manuel I, este convento abrigou durante muitos anos as freiras da Ordem de Santa Clara, servindo também, mais tarde, de escola para mulheres sem votos que aprendiam a ler e a excetuar as tarefas domésticos (inerente à condição feminina do século XX).
O convento preserva a arquitetura original e mantém-se como símbolo de dedicação e espiritualidade feminina.
Foi ainda aqui que, durante alguns anos, viveu enclausurada D. Isabel Juliana de Sousa Coutinho, por ordem de Marquês de Pombal, porque esta se recusou a casar com o seu filho.
Diana de Liz: A Escritora de Travessa do Açacal
Maria Eugénia Hass da Costa Ramos, nasceu em Évora em 1892 e ficou conhecida pelo pseudónimo Diana de Liz. Destacou-se como escritora e defensora da emancipação feminina.
Desde cedo, com uma vocação para as letras e possuidora de uma inteligência rara, Maria Eugénia, revelou-se uma escritora nada convencional para a moral da época.
Companheira e amor da vida do escritor Ferreira de Castro, expressou-se numa visão ousada e moderna, assinando artigos em jornais e revistas. Uma mulher à frente do seu tempo, cuja voz foi essencial na luta pela igualdade de género.
Joana da Gama: A Pioneira da Literatura Feminina Portuguesa
Joana da Gama, fundou o recolhimento Salvador do Mundo, em Évora, e foi uma mulher extraordinária e autodidata. No século XVI, num contexto onde a liberdade para as mulheres só era alcançável pela vida religiosa, Joana escolheu um caminho alternativo: após enviuvar, criou uma instituição para acolher mulheres vulneráveis.
Mais ainda, foi a primeira mulher a publicar uma obra em Portugal, intitulada “Ditos da Freira”. Esta obra, composta por trovas, cantigas e sonetos, não só evidencia a sua inteligência como também lança uma luz sobre a condição feminina da época.
Joana representa uma inspiração, uma mulher que seguiu a sua voz interior numa sociedade que restringia a liberdade das mulheres. Na Igreja da Misericórdia, em Évora, no coro-alto é possível encontrar uma parte da lápide de Joana, indicando que ela poderá ter sido sepultada nesta igreja.
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Explorar cidades como Évora através do olhar feminino é uma experiência transformadora. Na verdade, esse é o desafio que coloco sempre.
Aonde quer que vamos, importa olhar com novos olhos. Évora é uma cidade onde cada esquina e cada monumento, revela uma história que merece ser conhecida e partilhada. Porque a história das mulheres importa, e deve continuar a ser contada.
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Quando sentires que queres conhecer Lisboa sob uma nova perspetiva, a feminina, estarei aqui para te receber:
Seja através do roteiro Lisboa sob o olhar da mulher, que percorre as ruas da Baixa de Lisboa;
Ou através do walking tour A Graça da Graça, onde conhecemos as mulheres que deixaram uma presença indelével no bairro mais charmoso de Lisboa;
Ou, então, através de um walking tour combo que mistura o melhor dos dois mundos: a história da mulher com a história da cidade.
Com carinho,
Vanessa
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