Ourém, uma cidade do distrito de Santarém, vê a sua história imortalizada no morro em torno do castelo e o seu nome emanado de uma mulher. A vila medieval de Ourém, a parte mais antiga da cidade, que outrora se chamou Abdegas é uma volta sem fim aos tempos primitivos do Condado Portucalense e, enfim, guarda memórias sobre a história das mulheres na sua vila e no seu majestoso castelo.
O dia começou cedo, e embora, o relógio do despertador marcasse as sete horas da manhã, já se fazia sentir o calor abafado de um longo dia de verão. Todavia, isso não iria impedir de tirar aquele domingo para conhecer um lugar que há muito almejava conhecer: Ourém, mais propriamente a vila medieval.
Ourém conta-nos lendas, histórias de conquistas e mulheres rainhas, infantas ou princesas, cuja terra era sua.
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Conhecer Portugal é uma prioridade para mim. Não sei colocar em palavras a paixão que tenho pelo meu país e por cada região que visito. É um verdadeiro encontrar com a identidade portuguesa.
Ourém: histórias medievais
A vila medieval de Ourém localiza-se num morro, abraçada por uma paisagem verdejante: a sul espalham-se as serras e os calcários e a norte eis as ribeiras, os arenitos e os aluviões.
No topo da colina, bem alta e inclinada, ergue-se um majestoso castelo, ostentando na perfeição a sua posição estratégica de defesa do território.
Embora, Ourém apresente vestígios pré-históricos e outros arqueológicos, foi na Idade Média que o burgo se desenvolveu e cresceu. Transformou-se num verdadeiro núcleo religioso e militar.
A conquista
Em 1136, já D. Afonso Henriques, o primeiro rei português, sabia da importância e palco priveligiado de Ourém e, portanto, não vai hesitar em conquistar esta terra aos mouros. Porém, a trajetório muda e vemos um pai, enquanto rei, a doar os terrenos à sua filha, infanta D. Teresa. Em 1180, D. Teresa atribuiu o primeiro foral e o seu escudo de armas que deu origem ao brasão de Ourém.
É mais ou menos a partir de 1364, com a chegada do 3º Conde de Ourém, Nuno Álvares Pereira mas, sobretudo, do 4º Conde, D. Afonso, neto do Condestável e do rei D. João I, que o condado assiste a um grande impulso.
Afonso, no século XV, um homem com uma visão além do seu tempo, torna-se o responsável pela construção e consolidação dos principais monumentos do burgo medieval. E, neste sentido, não se pode deixar de falar do Castelo de Ourém que representa uma arquitetura fascinante e única em Portugal.
Castelo de Ourém
O castelo foi construído entre os séculos XII e XIII e, o lugar que vemos hoje como Paço do Conde, é o resultado da abertura da muralha original no século XV. O castelo ao longo do tempo foi alvo de diversas destruições, como o terramoto de 1755,bem como as invasões francesas que contribuíram para a sua degradação. Em 1910, o Castelo de Ourém é classificado como Monumento Nacional e o seu restauro finalmente se deu nos anos 30 do século XX.
Ele é composto por 3 torres quadrangulares e uma coisa que me impressionou foi reparar que o seu recinto é triangular. Nunca vi isso, outrora, noutro castelo português. No recinto do castelo é possível ver uma cisterna e ainda a Torre de D. Mécia. No lado norte, abre-se o amplo Terreiro de Santiago que nos brinda com a estátua de Nuno Álvares Pereira.
É de notar que este castelo serviu de residência oficial ao Conde D. Afonso e como resultado das suas viagens e cultura, este decidiu trazer para Portugal algumas referências fascinantes: atenta-se nas torres-baluartes de forte influência italiana quatrocentista, um caso único no país.
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Neste dia, dedicado a cultivar a minha saúde cultural, o primeiro lugar a ser eleito para conhecer foi precisamente o castelo. A ideia, inicialmente, era comprar o bilhete simples de entrada, mas uma conversa com a funcionária do mesmo fez-me mudar de opinião. A melhor opção foi, sem dúvida, comprar o bilhete para uma visita guiada e, assim, também teria acesso a lugares do castelo que só são possíveis através de uma visita guiada.
A guia era uma mulher muito simpática, atenciosa e uma sabedora da história de Ourém e do castelo, além de ter um bom sentido de humor. Em conversas pelo meio, partilhamos saberes e sabendo ela que eu gostava e trabalhava a história da mulher (algo que a fascinou), a guia fez questão de frizar a presença da mulher no castelo, como o caso de D. Mécia, quando nos dirigimos à Torre.
O valor do bilhete da visita guiada ao castelo para 2 pessoas rondou, mais ou menos, 6€ e teve a duração de 1 hora.
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Um passeio pelas ruas estreitas medievais do burgo leva-nos a percorrer caminhos da história portuguesa. No coração, rodeado de simplicidade, somos deslumbradas pela construção da Colegiada sob uma decoração austera. Na cripta o túmulo do fundador recebe-nos no silêncio: eis que saudamos o Conde de Ourém, D. Afonso.
O caminho da história continua e na Praça do Pelourinho, um refúgio fresco e verdejante, acalma-nos a fadiga do calor intenso. De um lado, admiramos a antiga casa da Câmara, agora uma galeria municipal e o posto de turismo.
Os edifícios oureenses também contam histórias e por lá presta-se atenção às antigas cadeiras da vila medieval, que agora dão vida e lugar à Ucharia do Conde, um lugar dedicado à degustação e venda da gastronomia local.
A vila medieval de Ourém encanta quem lá for pela sua medievalidade, amabilidade das gentes que lá vive e trabalha e pelo sossego e silêncio que nos proporciona em pleno domingo de verão.
Ourém: história das mulheres
Sei que estás intrigada com este tema e, por isso, quero aqui fazer uma reflexão. Uma reflexão que invadiu o meu coração quando visitei a zona mais antiga de Ourém e que quero partilhar contigo.
O Condado de Ourém passou a ser um território importante das rainhas portuguesas até 1364. Desde muito cedo que as rainhas de Portugal contaram com rendimentos de bens, na sua maioria, adquiridos mediante doação aquando o casamento.
A Casa das Rainhas correspondia a um inúmeras terras espalhadas pelo país, cujos rendimentos seriam destinados às rainhas. Foi D. Leonor, a esposa de D. João II, que oficializou a Casa das Rainhas e, nesse momento, elas passaram a gerir essas terras. Porém, a Casa das Senhoras Rainhas acabou por ser extinta por D. Pedro IV, em 1834. Contudo, as rainhas continuaram a obter um rendimento anual votado em Cortes e foram-lhes dados palácios, tanto em Queluz como em Caxias.
Vamos (re)analisar a história: apesar de Ourém ter sido conquistada por um homem, o primeiro rei português, a vila foi doada à sua filha e ela mesmo outorgou a Carta Foral. No testamento, em 1183, pelas suas palavras fica expresso que “Aprouve-me fazer testamento do eclesiástico de Auren, que antes se chamava Abdegas”.
Posteriormente, Ourém, vila das rainhas pertenceu à Rainha Santa, D. Isabel de Aragão, por meio do seu casamento com o rei D. Dinis.
Torre de D. Mécia – a rainha que lá viveu
Perante o seu casamento com o rei D. Sancho II, D. Mécia viu-se desde cedo no meio de intrigas, jogos políticos e conspirações que envolveram altas figuras de poder, como o papa e o irmão do rei, o Conde de Bolonha, Afonso.
Este último, usou todas as táticas e meios para humilhar, enfraquecer e rebaixar o seu irmão para que desistisse do trono, resultando numa guerra civil em 1245. Tal efeito, resultou em manchar o casamento de D. Mécia com D. Sancho, raptá-la e torna-la prisioneira no Castelo de Ourém. É neste momento, que vemos um rei português fraco, que fugiu do país e exilou-se em 1247. Sem descendência legítima, D. Mécia, sozinha e abandonada, foi o bode expiatório para todos os problemas do reino português.
Esta mulher história tornou-se banida e difamada pela própria História (até porque são as pessoas que fazem a História). Mesmo assim, a rainha procurou sempre manter a sua dignidade e considerou-se Rainha de Portugal até à sua morte.
Mécia foi uma rainha maltratada pela História e, junto à janela da Torre onde residiu, quase que posso ver e sentir uma mulher desesperada em busca de ajuda, quando todos os que ela amava não a ajudaram. A sua história mostra-nos o jogo sujo político de reis e homens poderosos que, Idade Média, usavam as mulheres para serem os seus elos mais fracos.
Então, ali pela janela, eis a memória de uma mulher rainha que se deu à meditação profunda sobre a sua vida e a sua condição.
Lenda Oureana
Ao continuar a (re) analisar a história de Ourém, sabemos que o seu nome foi dado por uma mulher.
Eis a lenda da Oureana e a imortalização do seu nome, para sempre:
Conta-se que o nome de Ourém nasceu de uma história de amor, marcada pela coragem e pela determinação, entre D. Gonçalo Hermingues, um destemido cavaleiro cristão e a encantadora princesa moura, Fátima.
Fátima, uma jovem bonita e filha única do emir, vivia isolada numa terra luxuosamente decorada, longe dos olhares do mundo. Apenas as suas aias faziam-lhe companhia, enquanto aguardava o destino que o pai lhe havia traçado: casar-se com o seu primo Abu.
No entanto, o destino tinha outros planos. Fátima, desafiando as convenções, rendeu-se ao amor pelo audacioso Gonçalo Hermingues. O cavaleiro, que nas suas incursões pelos campos, não conseguia tirar os olhos da princesa, que espreitava da janela da torre.
Ao saber que Fátima participaria no cortejo da Festa das Luzes, Gonçalo, movido pela paixão, planeou uma ousada estratégia. Liderando os seus homens, interrompeu a festa e raptou a princesa moura, aclamando o seu amor.
Abu, determinado a recuperar a honra e a sua noiva, perseguiu os cristãos, mas o confronto entre os dois homens foi fatal para ele. Gonçalo, vitorioso e resoluto, apresentou-se a D. Afonso Henriques, pedindo autorização para desposar Fátima. O rei, admirado pela coragem do cavaleiro, consentiu, com a condição de que Fátima abraçasse a fé cristã.
A terra onde os jovens se refugiaram passou a chamar-se Fátima, em honra da princesa que ousou amar além das fronteiras da religião e da cultura. E o lugar onde se fixaram definitivamente ganhou o nome de Vila de Ourém, derivado do novo nome cristão de Fátima, Oureana.
Esta lenda, marcada por uma paixão que transcendeu barreiras, continua a inspirar a região, simbolizando a força do amor e da coragem que moldam destinos e criam novas histórias e dá nome a duas localidades de Portugal: Fátima e Ourém!
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A história da mulher está presente em todo o lugar. E como muitas vezes falo, às vezes, torna-se necessário estar disposta a reconhecer que ela precisa de ser ouvida e valorizada. Porque, caso contrário, qual o verdadeiro sentido de dignificar a mulher se não valorizamos a sua história, os seus contributos, lutas e desafios?
Deste modo, sim, afirmo que Ourém é uma vila repleta de histórias de mulheres e cabe a nós reconhecê-la, ouvi-la e valorizá-la!
Se procuras valorizar a mulher e a sua história, sabe que podes contar comigo para te ajudar nessa jornada, a inspirar-te e empoderar-te através de walking tours feministas. Convido-te também a subscreves a minha newsletter para estares a par de novidades e de muitas outras histórias que precisam de ser contadas.
Com carinho,
Vanessa
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