top of page

O legado de Maria da Fonte em Póvoa de Lanhoso

  • Foto do escritor: walkingtourwithvanessa
    walkingtourwithvanessa
  • 15 de out.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 16 de out.

Havia muitos anos que não visitava Póvoa de Lanhoso. Se a memória não me atraiçoa, recordo-me de ser criança e de visitar o Castelo de Lanhoso com a família. Mas já decorreram tantos anos que mal guardo lembranças nítidas.


Este verão, decidi regressar. Fui movida pela intuição – o desejo de conhecer um espaço há muito ansiado e a promessa de voltar com o olhar renovado e a alma cheia.


estátua de Maria da Fonte em Póvoa de Lanhoso

Póvoa de Lanhoso: uma vila com alma e história


Póvoa de Lanhoso é uma vila minhota, pertencente ao distrito de Braga, que transborda património material e imaterial.


É a terra de lendas, de feitos históricos e berço da arte de filigrana do Minho. É a casa do Carvalho de Calvos, o carvalho mais antigo da Península Ibérica.  O seu majestoso e singular Castelo de Lanhoso, erguido sobre um monólito granítico – o maior da Península Ibérica – é um símbolo incontornável da vila.


A presença humana nestas terras é antiquíssima, com vestígios megalíticos do Calcolítico, da Idade do Bronze e da Idade do Ferro. O primeiro documento que menciona o território data de 1086, mas a Carta de Foral só foi outorgada em 1292 por D. Dinis, em Coimbra.


Como todo o Minho, Póvoa de Lanhoso respira tradição, ruralidade e cultura. É uma fonte viva de memória e património – e quem dela bebe dificilmente volta a olhar para a vila com os mesmos olhos!

.

Póvoa de Lanhoso: uma vila feminina?


Em cada lugar que visito, procuro por vestígios da história feminina. É um exercício que gosto de fazer.

Muitas vezes, a presença da mulher está lá, mas o olhar cego do quotidiano ou da pressa em andar e ver não permite reparar. Respondendo à questão do título: Sim, Póvoa de Lanhoso é uma vila feminina.


Começa-se pelo ex-libris, o Castelo de Lanhoso. Quando se olha não é um mero monumento. É uma fonte de conhecimento. Um pedaço de memória e um verso de património… feminino.


Invoca a memória de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, uma mulher fascinante com um sonho: tornar o Condado Portucalense independente do senhorio da sua irmã e cunhado. Invoca também a memória de D. Urraca, a sua irmã, e a par com ela, duas mulheres poderosas da Península Ibérica.


Conta a história que foi neste castelo que D. Teresa se refugiou, cercada pelas tropas da irmã, D. Urraca, e onde afirmou o Tratado de Lanhoso, salvando o seu Condado com astúcia e coragem.


Além disso, esta é também a terra da filigrana, profundamente ligada à mulher minhota, aos trajes femininos dos ranchos folclóricos, aos casamentos e à tradição transmitida de mãe para filha.


Mas é quando olhamos com atenção, que percebemos que a história das mulheres está entranhada nas pedras, nas joias e nas memórias desta vila.


O Centro Interpretativo Maria da Fonte: o coração feminino da vila


Talvez o coração mais vibrante da presença feminina na Póvoa de Lanhoso seja o Centro Interpretativo Maria da Fonte, dedicado à mulher que se tornou símbolo de resistência e liberdade.


Como mulher minhota, vejo em Maria da Fonte a mais pura representação da força da mulher do norte:

uma mulher que não se conforma, que luta por justiça, que não teme usar a sua voz.


O Centro Interpretativo Maria da Fonte, situado no Largo António Ferreira Lopes, ergue-se no local onde, no século XIX, existiu a estalagem de Maria Luísa Balaio, considerada por muitos a verdadeira Maria da Fonte.


Inaugurado em 2015, o centro propõe revelar a figura lendária e explicar as causas da Revolta da Maria da Fonte — também chamada Revolta do Minho — que começou em Fontarcada, em 1846, e rapidamente se espalhou por todo o país.


É um espaço que respira história e valoriza o património imaterial feminino. A visita pode ser feita de forma autónoma ou acompanhada por guia. No meu caso, fui recebida num quente dia de verão por uma guia, uma jovem apaixonada pela história da sua terra.



Centro Interpretativo Maria da Fonte


A Revolta da Maria da Fonte: quando as mulheres fizeram História


Durante o reinado de D. Maria II, Portugal vivia tempos difíceis: um país destruído pelas invasões francesas, pela pobreza e por crises políticas sucessivas.


Foi nesse contexto que nasceu a Revolta da Maria da Fonte, uma reação espontânea das populações rurais — sobretudo feminina — contra medidas consideradas injustas, como o recenseamento obrigatório, a proibição de enterros nas igrejas e o aumento dos impostos.


Simbolicamente lideradas por Maria da Fonte, as mulheres do Minho ergueram-se em defesa das tradições e da liberdade. O movimento cresceu, espalhando-se por outras regiões e transformando-se num conflito político entre liberais progressistas e cartistas, culminando na Guerra da Patuleia (1846–1847).


Apesar de ter sido reprimida, a Revolta da Maria da Fonte revelou a força do povo, em especial das mulheres, na luta contra a injustiça e a opressão, tornando-se um símbolo de resistência popular e de afirmação do papel feminino na história de Portugal.


“O primeiro movimento revolucionário de 1846 assemelhou-se a uma dessas pequenas nuvens que, no alto mar, aparecem aos navegantes sob um sol esplêndido. Pouco a pouco, alastra-se, tolda o céu e arrasta uma furiosa tempestade.” (CIMF, 2025)


A visita guiada ao centro contou-se pelas palavras da guia e mediante imagens, representações, icnografias e amostras de jornais percebemos quem era a mulher e o que realmente levou à revolta. Inclusive são apontadas como heroínas da revolta 7 mulheres de carácter, corajosas e audazes:


Maria da Fonte do Vido

Ana Maria Esteves

Maria Angelina

Maria Luísa Balaio

Joaquina Carneiro

Josefa Caetana

Maria da Mota


Impressões da visita


A exposição é bem organizada e cronológica. À entrada, recebe-nos Maria da Fonte empunhando uma pistola e vestindo os trajes rurais da mulher portuguesa. Um verdadeiro símbolo!


Trata-se de um espaço amplo, fresco e envolvente, convidando a uma visita lenta, movida pela curiosidade. Não deixes de ler o Hino da Maria da Fonte, que ressoa como eco da sua coragem.


A visita é cuidada e inspiradora. No entanto, é triste saber que o centro nem sempre está aberto — sendo necessário tocar à campainha ou dirigir-se à Casa do Livro para solicitar a visita.


Quando as portas permanecem fechadas, a história deixa de ser contada. E mal sabem as pessoas o que perdem ao não entrar.


Em conversa posterior com a guia ficou claro que a própria população local não tem grande conhecimento a respeito deste marco histórico, muito menos da própria heroína local. O seu nome embora conhecido e presente na estatuária da vila, termina no esquecimento da sua própria história.


Mais uma vez, a história da mulher sucumbe ao esquecimento. Porque conhecer, falar da história da mulher é tirá-la de um lugar sombrio. É deixar de a ver como uma recordação ou algo intangível e passar a vê-la como parte da história da humanidade.


Maria da Fonte

Uma homenagem à mulher do Minho e de Portugal


O Centro Interpretativo Maria da Fonte é o primeiro capítulo da história da mulher da Póvoa de Lanhoso, da mulher do Minho e da mulher de Portugal. Merece mais divulgação, mais visitas e mais reconhecimento.


Cabe-me, através deste artigo, contribuir para essa missão — partilhar a história da Maria da Fonte, símbolo da coragem feminina e do poder transformador das mulheres portuguesas.


Saí de lá com a certeza de que cada vila e cada cidade guarda uma mulher que a moldou — basta querermos escutá-la.


Não restam dúvidas de que o património cultural imaterial português também é legado das mulheres. De mito a lenda, Maria da Fonte permanece viva na história e na memória da nossa cultura.


Desafio-te:


Visita o Centro Interpretativo Maria da Fonte — e tantos outros espaços onde a presença da mulher vive, mesmo quando não é visível à primeira vista.


E se quiseres conhecer mais histórias femininas, descobre os meus walking tours feministas — experiências que revelam cidades sob o olhar das mulheres que as moldaram.


Além de guiar-te pelos caminhos femininos ajudo quem deseja contar histórias com palavras que tocam.


Com carinho,

Vanessa

 
 
 

Comentários


bottom of page