A história das mulheres importa: um manifesto pela visibilidade feminina
- walkingtourwithvanessa
- 7 de mai.
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Enquanto seres humanos, procuramos saber como as coisas evoluíram até chegar ao momento em questão: ao presente, ao agora. Procuramos produzir reflexões históricas sobre nós e sobre o mundo. Somos amontoados de memórias que, face à inexistência da imortalidade, procuramos — de alguma forma — tornar-nos imortais. Eis que surge a história.
A história das mulheres é parte fundamental dessa evolução, muitas vezes negligenciada. Este artigo reflete sobre a importância de reconhecer e valorizar a contribuição feminina na construção da nossa história.

A importância de novas narrativas
A história tradicional oferece-nos uma visão de cima, no sentido em que se concentra nos grandes feitos dos grandes homens: estadistas, religiosos ou até mesmo generais. O resto da humanidade encontra-se limitado ao papel secundário — é o coadjuvante da história, da cena principal.
E atenção: não devemos desmoralizar, e muito menos desvalorizar, a história tradicional. Afinal de contas, nunca se deixará de falar de D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, ou de D. Manuel, o rei venturoso do auge dos Descobrimentos Portugueses. Mas o cerne da questão está em quando ousamos olhar além, desviar os olhos um pouco do óbvio e refletir: Afonso Henriques continuou o trabalho iniciado pela sua mãe, considerada rainha de Portugal, em tornar Portugal um reino independente. D. Manuel, que nem era para ser rei, tornou-se-o por influência da sua irmã, D. Leonor de Lencastre.
A história presta um serviço à humanidade, uma vez que exuma os vestígios, as reminiscências do tempo, e dá-lhes a luz crítica da explicação científica.
A história é esclarecedora, não denunciadora. Porém, importa que olhemos para ela de forma holística, como um todo, onde toda a humanidade entra.
A História da mulher importa
Durante muito tempo, enquanto mulher, eu não me sentia — nem me via — representada na história. Folheava os livros da escola, olhava à minha volta e não me via algures. À medida que fui crescendo, fui olhando com mais atenção para o universo ao meu redor e, cada vez mais, tive a confirmação disso. Então, resolvi inverter os papéis e dar a conhecer a mulher, a sua história e património, concretizados em passeios pedestres pela cidade.
Se a história tem género, chega-se à conclusão de que é de ambas as mãos que o tecido histórico é construído. É impossível falarmos dos homens sem falarmos das mulheres que viveram, influenciaram e participaram no seu tempo.
A evolução histórica de Portugal — e do mundo — é também uma construção das mãos das mulheres. Contaram-nos uma parte, e resta-nos conhecer a outra parte.
Michelle Perrot diz-nos uma frase muito interessante: “As mulheres, sim, possuem uma história, ainda que tenha sido construída e adotada tardiamente.” Desta frase, assumo aquilo que venho sentindo e defendendo ao longo do tempo: talvez esse seja o real motivo pelo qual as mulheres não se sentem representadas na história.
Sim. Existe uma história das mulheres. E sim. Importa falar dela. Porque é quando a contamos, quando a escrevemos, quando a damos a conhecer, que a história da mulher sai do silêncio. Esse silêncio, essa invisibilidade, é acompanhada da ausência da mulher do espaço público, estando apenas presente no espaço privado, trabalhando e vivendo.
Outro motivo que justifica a ausência da mulher no processo histórico é o silêncio (ou até mesmo a ausência) de fontes. Como o acesso à escrita, por exemplo, foi muito tardio para as mulheres, elas deixaram-nos muito poucos materiais escritos. Por se sentirem desvalorizadas ou, talvez, por sentirem que a nada pertenciam, elas próprias destruíam o que produziam.
Outro motivo é a representação da sua imagem. Ou seja, ela é o reflexo do que os homens queriam. O sexo assusta, o corpo da mulher assusta, a mulher assusta — então queriam-na escondida.
A desvalorização da mulher por ela própria faz com que desconheça, ou nem sequer demonstre interesse, na sua própria história. Mas é através dela que sabemos o que muitas outras, antes de nós, lutaram para chegarmos até aqui. A história empodera, emancipa, inspira e faz-nos refletir.
Mas aquele que é o maior silêncio… é a ausência da narrativa histórica. Sempre se fez menção aos homens ilustres.
A origem do campo da historiografia da mulher está nos anos 60/70 do século passado, quando as mulheres começaram a reivindicar uma história cujo sujeito eram elas. Procuravam uma prova da atuação das mulheres e também uma explicação sobre a opressão histórica, assim como inspiração para a ação.
A ausência da mulher na história leva, inevitavelmente, à destruição da memória feminina.
A história das mulheres obedece a uma cronologia difícil de traçar. Homens e mulheres vivem juntos os acontecimentos históricos, as mesmas ruturas do tempo, as mesmas mudanças do tempo. Juntos, mas de forma tão diferente.
A história da mulher é um livro infinito. Uma tomada de consciência, um resgate de memórias e uma releitura dos acontecimentos e das evoluções à medida das diferenças.
Então, sim, a história da mulher importa. Porque ela também esteve lá, o tempo todo. E agora, a sua voz grita para ser ouvida.
Manifesto à mulher, à sua história, ao seu património
No princípio era Deusa. Mãe. Terra.
Venerada, mãe da terra, criadora do mundo. Não fosse Gaia a criadora do mundo, a Deusa da Terra. Uma mulher.
Não fosse Lilith, a primeira mulher, criada do pó, ao lado de Adão, expulsa do paraíso por se impor à submissão. Depois, Eva — a pecadora —, na ânsia do desejo, da liberdade, do saber, comeu o fruto proibido.
No princípio, bem lá no início, reais ou não, já as mulheres teciam o mundo. Mãos sensíveis, carregadas de calos da luta, da visibilidade…
A mulher estava lá, na margem ou no centro, mas o seu nome, a sua história, a sua memória, não sobreviveu aos pergaminhos… às penas dos cronistas.
A tinta secou o seu nome. O tempo tratou do resto.
A história da mulher é uma história de ausência forçada. Não porque não existia, mas porque, durante séculos, o que era digno de memória era apenas o que o homem fazia. A mulher é o resultado da sua memória, da sua luta. É sinónimo de resiliência, é sinónimo de casa. É sinónimo de história.
A mulher é património.
Reconhecer a sua história não é apenas um ato político. É, antes de tudo, um ato humano. É uma forma de tecer outra narrativa. É permitir-nos olhar, ver com outros olhos: olhos atentos à margem.
É aumentar o volume das vozes silenciadas.
É dizer a todas as meninas e mulheres: tu também pertences à história. A tua voz importa.
Tu inspiras.
Tu importas.
Tu és memória.
Tu és história.
Agora diz-me: estás pronta para a conhecer?
Começamos a importar-nos quando percebemos que somos também o resultado dessa história silenciada e que devemos continuar o trabalho.
Sabes,
Honrar a ancestralidade. A nossa.
Caminha pela história das mulheres em Lisboa
Reconhecer a história das mulheres é um ato de humanidade. Ao dar voz às narrativas femininas, enriquecemos a compreensão sobre o nosso passado e inspiramos futuras gerações.
Se este texto despertou algo em ti, se sentiste que também tu queres escutar essas vozes femininas que ecoam nas pedras de Lisboa — então o convite está feito.
~ Vem conhecer Lisboa com outros olhos.
~ Vem descobrir as mulheres que moldaram esta cidade.
~ Vem sentir a força da história feminina nos meus walking tours.
Os meus tours são pensados com carinho, pesquisa e respeito. São experiências lentas, conscientes e transformadoras.
E mais do que isso — são um tributo à memória das mulheres.
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Com carinho,
Vanessa
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