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Dulce de Montalvo: a poetisa que Barcelos quase esqueceu

Foto do escritor: walkingtourwithvanessawalkingtourwithvanessa

Atualizado: há 4 dias

Quem passa na Rua D. António Barroso, também conhecida como Rua Direita, em Barcelos, dificilmente repara numa pequena placa ilustrativa bem pregada numa parede de um edifício.


Por um lado, é compreensível que passe despercebida. A placa está posicionada alguns metros acima do campo de visão e a sua cor confunde-se com a velha pedra do edifício. No entanto, aqui isso não voltará a acontecer. Porque vou-te falar de Dulce de Montalvo, a poetisa que Barcelos quase esqueceu.


Barcelos, cidade onde nasceu a poetisa portuguesa Dulce de Montalvo

O dia em que descobri Dulce de Montalvo


Não me recordo com exatidão do dia em que descobri esta poetisa barcelense, mas lembro-me perfeitamente do que senti.


Fiquei fascinada ao saber que, na cidade onde nasci, existia uma mulher cujos poemas nos preenchem a alma e quase falam connosco. Recordo-me também de como me senti arrebatada ao ler os primeiros versos.


A sua poesia é única e profundamente autêntica. Entre palavras, encontramos uma mulher de alma criativa, que imagino ter sido uma pessoa doce, mas repleta de inquietações.


Os seus poemas dialogam connosco. Quase sentimos a sua presença ao nosso lado, a escrever. Identifico-me com ela de uma forma que não sei explicar. Talvez porque, em algumas obras, se inspirou na poetisa portuguesa Florbela Espanca.


Ou talvez porque, em algum momento da sua poesia, eu sentia o que ela sentira muitos anos antes.


O que é certo, cara leitora, é que nutro um carinho especial por Dulce de Montalvo. Sempre que vou a Barcelos e passo pela icónica Rua Direita, o gesto é automático: olho diretamente para a casa onde ela nasceu e viveu.


Como sabes, a minha maior missão é valorizar a história das mulheres e o património cultural que nos legaram. Por isso, nem pensei duas vezes antes de incluir esta formidável poetisa no walking tour feminino em Barcelos, que realizei no ano passado em parceria com a EmBarcelos.


Neste artigo de blog, poderás conhecer um pouco mais sobre a minha experiência como guia de roteiros feministas e as aprendizagens que tive ao longo do caminho.


Quem foi Dulce de Montalvo?


Deves estar a perguntar-te, já que menciono o seu nome desde o início do artigo.


Dulce de Montalvo é, antes de tudo, o pseudônimo de Maria do Carmo de Lima Bandeira Ferreira.

Nasceu em 1914, na Rua Direita, em Barcelos. Era filha de um comerciante e proprietário da confeitaria e pastelaria "A Moderna", e de uma mãe doméstica que dava aulas de francês e piano.


Dulce de Montalvo sentada a escrever
Imagem de Biblioteca Digital do Cávado

A sua mãe, Maria da Glória de Lima Bandeira Ferreira, ensinou-lhe as primeiras letras, mas Dulce aperfeiçoou os seus estudos no Colégio Bom Jesus da Cruz e no Colégio de Santo António, em Caminha.


Desde adolescente, demonstrava uma grande paixão pelo mundo das letras, dedicando-se à leitura, ao jornalismo e, sobretudo, à poesia.


Não podemos esquecer que foi uma grande defensora das mulheres, utilizando a sua voz para publicar diversos artigos em jornais nacionais, abordando temas ligados ao feminismo.


Foi correspondente de jornais como "O Barcelense", "Jornal de Braga" e da revista "Portugal Feminino", de Lisboa.


Podemos descrevê-la como uma mulher curiosa e pouco vulgar para o seu tempo. Era alegre, ativa, amava a vida e tudo o que ela tinha de belo.


A sua obra revela-nos uma poetisa guiada pelo sentimento e pela razão, acima da falsidade, da hipocrisia e da injustiça.


Faleceu aos 23 anos, em 1938. O seu legado chegou-nos através da obra "Vibrações da Vida", publicada um ano após a sua morte. Este livro é o reflexo de uma mulher inquieta, criativa e profundamente sensível.


O esquecimento na literatura portuguesa

Uma das coisas que mais me intriga é a quantidade de mulheres escondidas na literatura portuguesa. Sei que é difícil abordar a maioria delas nas escolas, por exemplo.


Mas, como conversava com uma professora amiga, deveria haver pelo menos a possibilidade de apresentar uma nova autora (ou autor) todos os anos nas aulas de Português. Dessa forma, abrir-se-iam portas para novas escritoras na literatura portuguesa.


Como isso não acontece, resta-nos descobrir essas vozes por acaso ou através de referências indiretas em obras de escritoras mais conhecidas. Ou ainda incentivar municípios, freguesias e regiões a divulgar e estudar minuciosamente a vida de mulheres que contribuíram para a cultura e a história.


Infelizmente, a história e o património das mulheres acabam por se perder, pois não são devidamente divulgados. Quem foi ela? O que fez? Que legado nos deixou?


Isso acontece com Dulce de Montalvo. Creio que as gerações mais velhas de Barcelos ainda conhecem o seu nome, mas as gerações mais novas não. Comprovei esse facto no walking tour feminino que realizei no ano passado com mulheres barcelenses.

Cidade de Barcelos, onde viveu a poetisa portuguesa Dulce de Montalvo

Para quando uma homenagem?

Acredito que o primeiro passo para valorizar e proteger algo é conhecer e dar a conhecer.


Em Barcelos, existe uma placa informativa na casa onde Dulce nasceu e viveu. Embora discreta, lá está. Também uma pequena praceta da cidade leva o seu nome.


Por si só, essa é uma primeira etapa na valorização da sua memória. No entanto, muitas pessoas desconhecem quem foi Dulce. Assim, podem até passar pela rua que leva o seu nome sem lhe dar qualquer significado.

Como acontece em muitos casos, a valorização começa pela educação e pelo reconhecimento. Primeiro, é necessário dar a conhecer quem foi essa figura; depois, a atribuição do nome a ruas e espaços públicos ganha um real significado. Dessa forma, a sua memória nunca cairá no esquecimento.


Mas a minha inquietação é: para quando uma estátua em homenagem à poetisa de Barcelos, junto à casa onde nasceu?


A cidade tem pouquíssimas estátuas dedicadas a mulheres. Uma homenagem a Dulce de Montalvo demonstraria o compromisso de Barcelos em honrar, celebrar e preservar a memória dos seus ilustres habitantes.


Walking tour poético no feminino em Barcelos


Na verdade, Dulce de Montalvo nunca cairá no esquecimento. Não desde que a descobri e não enquanto a trouxer para o meu trabalho.


Dulce será homenageada no dia 8 de março, em Barcelos, num percurso pelo centro histórico, onde serão lidos os seus poemas.


Em cada momento de paragem, todas as mulheres poderão ouvir, apreciar e saborear as vibrações da vida da artista portuguesa. O principal objetivo é dar voz aos poemas deixados pela poetisa que a cidade viu nascer e morrer.


No walking tour poético no feminino em Barcelos, convido-te a percorrer as ruas da cidade com um novo olhar. É um convite para conheceres a arte feminina. É uma celebração poderosa da mulher. Vamos descobrir a poesia de uma mulher extraordinária, dar voz aos seus poemas e celebrar não só a poetisa, mas também o Dia Internacional da Mulher.


Para as mulheres de Barcelos e do Minho, este é um convite para redescobrirem a sua cidade, para se conectarem com o feminino e com a poesia feminina.


E, no final do tour, terás uma sessão transformadora com uma mulher muito especial. Porque este é um momento para ouvir, sentir e celebrar o legado que as mulheres, especialmente as de Barcelos, nos deixaram.


Certamente, já passaste várias vezes pela casa onde ela nasceu, mas nunca reparaste. E a culpa não é tua. A história das mulheres foi esquecida.


Mas está na hora de mudar isso! Vais deixar esta história passar despercebida outra vez?




Espero por ti!



Com carinho,

Vanessa

 

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