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Roteiro feminista no Funchal: espaço para a memória das mulheres na Madeira

  • Foto do escritor: walkingtourwithvanessa
    walkingtourwithvanessa
  • 12 de jun.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 3 de jul.

Recentemente, voltei de uma semana na Madeira e, no meio desta viagem, eis que surgiu uma questão: o Funchal é uma cidade feminina?


É uma questão inevitável que carrego comigo para todas as cidades que visito. Mesmo Lisboa, onde vivo e trabalho. Mesmo Barcelos, onde nasci e cresci.


Ao fim de algum tempo a trabalhar com o cruzamento do turismo cultural, património cultural e história da mulher, fui aperfeiçoando o modo como vou olhando para as cidades. Através da criatividade, sensibilidade e, acima de tudo, da curiosidade, adota-se uma postura de visão para além dos limites que a história e o tempo impuseram nos lugares.


Portanto, o veredicto a que chego é: sim, o Funchal também é uma cidade feminina e, sim, também há espaço para a memória das mulheres.


Roteiro feminista no Funchal: há espaço para as memórias das mulheres?


Uma das minhas inquietações é perceber de que modo a mulher, a sua história bem como o seu património estão representados na cidade e de que forma podemos contar essas narrativas.


Logo, uma das minhas preocupações iniciais é efetuar uma pesquisa na internet. Fiquei contente por saber que a Câmara Municipal do Funchal partilha a mesma reflexão (e preocupação) e por ver que existe um documento que nos conta a história de mulheres ilustres por vários locais do Funchal.


Na minha ótica, é um documento valioso e uma ferramenta a estudar para a criação de algo ainda mais poderoso na valorização da mulher na cidade.


Mas este artigo não é sobre o documento mencionado, mas antes sobre a minha reflexão sobre a presença feminina na cidade.


Começamos com a povoação da Madeira, no século XV. É certo que os homens descobriram as ilhas, mas é mais certo ainda dizer que quem geria o quotidiano, as necessidades e as afetividades eram as mulheres.


Constança Rodrigues, esposa de João Gonçalves Zarco, e D. Branca Teixeira, esposa de Tristão Vaz Teixeira, com certeza que seriam muito mais entusiastas do que os maridos, já que deixaram a sua vida para trás, no continente, para embarcarem na aventura de explorar terras desconhecidas e começarem uma nova vida.


Acredito que seriam mulheres devotas e ambiciosas. Deve-se a Branca Teixeira a Igreja Matriz de Machico e também a Igreja de São Roque, na extremidade oeste da baía de Machico.


A Constança Rodrigues, a Capela de Santa Catarina, no Parque de Santa Catarina, no Funchal. Além da gestão do monopólio das receitas dos moinhos e das vendas do sal e do sabão. Era, a par com o seu marido, a capitoa.


No entanto, eis a diferença: ao contrário dos seus pares masculinos, as suas presenças são mais discretas, mas nem por isso menos poderosas.

rapariga sentada em frente à capela de santa catarina no Funchal
Capela de Santa Catarina

Isto leva-me a pensar que, sempre que viajo até lá, sempre que percorro o Funchal, ou Machico ou outra região da ilha, eu não sinto e não vibro a presença das mulheres dos capitães que, menos ou mais, ali estiveram, ali viveram, ali influenciaram. Pergunto-me porque não existem memoriais no seu nome.


Mas, mais uma vez, mostra-nos a história que ela própria foi escrita por homens.


Praça da Autonomia: e o que nos diz a sua representação?


Atentemos na Praça da Autonomia, onde surge imponente a estátua da autonomia. Repara-se nela por uns instantes; o que vemos? O que apreciamos? Que significados nos transmite?


Mais uma vez, recorre-se ao espírito criativo e ao próprio pensamento crítico para compreender melhor o que se estende perante o olhar.


Primeiramente, representa uma mulher erguida, majestosa e autónoma. Irrompe uma mulher forte, do nada, e de forma vencedora. Ergue-nos o braço ao som do “sim, eu estou aqui”.


Num outro patamar de linguagem e interpretação pessoal, a força da autonomia da Madeira é representada no corpo e símbolo de uma mulher. Uma alegoria feminina em peso e destaque que confere o estatuto autonómico da região, adquirido em 1976.

Estátua da Autonomia da Madeira, no Funchal
Autonomia da Madeira

À luz da minha interpretação, sempre que olho o monumento, é inspirador. Olho-a e vejo uma figura feminina que me remete ao ato de se libertar, de se erguer, ao ato de um renascimento. E ali, a mulher é-me vista como:


~ A própria Madeira personificada;

~ Uma nova cidadania ativa;

~ A celebração da maturidade política e administrativa da região.


Na Madeira, essa mulher pode ser vista como a própria ilha – corajosa, voltada para o mar, firme no chão – celebrando o direito à sua voz, à sua autonomia, à sua história e ao seu património.


Na minha opinião, um roteiro cultural feminista no Funchal fica incompleto sem a introdução e interpretação da estátua da autonomia.


Ruas históricas também celebram a história da mulher


Na Rua de Santa Maria, a mais antiga da cidade, igualmente ecoam vozes das mulheres de outrora.

Em algum momento, um edifício amarelo chama a atenção: de um lado, “Escola Central Masculina”; do outro, separado, mas contíguo, “Escola Central Feminina”. E quando olhamos com mais atenção... reparamos: o edifício do lado feminino é bem mais pequeno. E, por vezes, diz tanto.

Rua de Santa Maria, Funchal, Padaria Mariazinha
Rua de Santa Maria

A Madeira foi uma região que manteve elevadas taxas de analfabetismo até à segunda metade do século XX, comparativamente com Portugal Continental.


Isto ocorreu devido ao lento e desigual desenvolvimento socioeconómico entre as diferentes localidades da ilha, e também ao facto de que a escolarização foi quase sempre irregular na oferta e na frequência.


Ali ao lado, saúda-nos uma mulher: Maria José de Sousa, fundadora da icónica Padaria Mariazinha. Após uma infância difícil, começou a trabalhar aos 16 anos, ajudando o pai numa padaria que se encontrava à beira da falência.


Transformou o negócio, deu-lhe o seu nome, inovou, cresceu e, claro, enfrentou críticas por “ser mulher e trabalhar fora de casa”, numa época em que o esperado era ficar em casa e assumir o papel de mãe e dona de casa. Porém, Maria José acabou por ser reconhecida como uma das empresárias mais dinâmicas do Funchal.


A minha paixão pelo património cultural feminino faz-me apreciar cada ponto bordado por mãos calejadas de tempo. O Bordado Madeira – símbolo de cultura e identidade, mas também símbolo de sobrevivência.

A senhora que borda todos os dias no centro do Funchal é também um lembrete vivo da beleza e do trabalho invisível de tantas mulheres bordadeiras.

Bordadeira, Funchal
Bordadeira

E o que dizer do traje tradicional feminino madeirense? Com a sua saia de riscas coloridas e colete justo, tornou-se igualmente símbolo insular – muitas vezes folclorizado, mas profundamente enraizado na identidade da mulher madeirense.


Com um olhar atento, muita curiosidade e criatividade, podemos transformar uma visita ao Funchal numa atividade profundamente inspiradora, empoderadora e cheia de conhecimento.


O que aqui escrevo é apenas uma pequena porção da minha experiência enquanto mulher (e depois, profissionalmente) da visualização da representação da mulher numa cidade.


O mesmo se aplica a toda a região: que lugares evocam a história da mulher? O Curral das Freiras? O que as levadas nos contam sobre a mulher? O que a gastronomia local nos pode dizer sobre a perpetuação da mulher no património cultural gastronómico? Que ruas evocam mulheres? Que estátuas encontramos? Que memórias escondidas ou visíveis precisam ainda de ser contadas?


Termino por aqui a reflexão de hoje, mostrando-te que qualquer lugar tem espaço para a memória das mulheres.


Porque os lugares, a história e o património também se escrevem no feminino.

Enquanto não levo o meu trabalho à ilha, convido-te a explorares os walking tours feministas em Lisboa. Trata-se de uma experiência que te mostra uma cidade através de um olhar mais feminista, mais empoderado e mais inspirador.


Com carinho,

Vanessa

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